terça-feira, 13 de março de 2018

Hoje entendo meu pai...


         Sempre ouvimos dizer que algumas coisas só entenderemos quando passamos por elas, é o famoso ‘sentir na pele’. Muitas coisas sobre meu pai eu não compreendia, algumas são tão distantes que remontam apenas reminiscências e outras talvez apenas tenha ouvido a respeito.
         Temos o costume de redimir dos erros de quem morre, algumas coisas no entanto, apenas perdoamos e jamais compreenderemos, pais e mães não são santos embora quiséssemos que fossem...
         Em uma irônica trajetória de vida, meio Luke e Darth Wader, acabei herdando as semelhanças mais contundentes dele, e por mais que tenha tentado fugir destas paralelas, não obtive êxito. Hoje aos 50 anos, sou um mineiro, assim como meu pai e meus avós foram e começo a compreender algumas coisas que não entendi quando ele ainda vivia...
         Hoje compreendo as latas cheias de parafusos, polcas e arruelas misturadas que ele derramava com um parafuso na mão e dizia enfático: ‘Zé Mauricio, acha um igual a este’. Como eu detestava isto, quantas vezes pensei porque não guardava separados, mas hoje sei que ele deve ter separado pacientemente muitas vezes ‘suas coisas’, suas ferramentas e tudo mais, porem cinco filhos e uma filha e vizinhos, parentes e amigos, talvez misturaram muitas vezes até que já não valia mais a pena arrumar...
         Hoje entendo aquele olhar dele ao ver a casa cheia de pessoas, até vizinhos assistindo TV, quando ele chegava do “serviço”. Percebo o seu desalento ao ver que ele não tinha direito de usufruir o que proporcionava, não lhe cabia a primazia, nem da casa, nem da esposa, nem dos filhos. E falo isto não de forma machista, mas apenas por reconhecimento ou gratidão...

         Refletir sobre isto, me faz lembrar de tantas vezes que ele chegou em casa, mas acabou no bar, por não encontrar o seu lugar. Entender o quanto lhe doía o olhar de reprovação quando ele queria ‘tocar, cantar e beber’...
         Acabamos por desprezar aquele que paga o preço, e um preço alto por tudo aquilo que é proporcionado em nossas casas. E vamos invertendo valores de tal forma que o vagabundo tem mais direitos que o trabalhador e quem faz e se dá é deixado de lado em prol da inutilidade ou a quase inutilidade. E então não compreendemos a irritação e a falta de paciência, não toleramos a sua ‘mesquinhez’ ao alegar ‘comida’ em sua casa, mas na verdade ele apenas sabia o custo de cada coisa, era do suor dele que saía...
         Hoje entendo meu pai, mesmo que não concorde com algumas das suas atitudes e que reprove outras, mas vejo o quanto talentoso ele era, o quanto fez e o quanto poderia ter feito se tivesse obtido oportunidades como as que nos proporcionou...
         Hoje compreendo porque cantava certas músicas com tanta paixão e apenas queria que cantássemos com ele...
         Ficássemos com ele, por ele, apenas um pouco, aceitando inteiramente ele, do jeito que era, pois este era ele, só por isto...
         Compreender nossos pais é mergulhar em nossas origens, aprender com os erros, brindar os acertos e seguir em frente para sermos nós, exatamente como somos e não como querem que sejamos...
         Que possamos valorizar o que tem valor e não o contrário...
         Rumamos para um tempo obscuro, com uma geração mais ingrata ainda do que as nossas e espero que ou a gente tome alguma atitude ou que Deus tenha piedade da raça humana...

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